Superação em duas rodas
Motociclistas com deficiência mostram que com força de vontade e muita paixão é possível andar de moto
Aladim Lopes Gonçalves
Pode parecer incompreensível e até
piegas para alguns, mas a paixão pelo mundo das duas rodas é um
sentimento tão forte e poderoso que tem o poder miraculoso de fazer as
pessoas superarem e transcenderem as dificuldades que aparecem na vida,
sobretudo para alguns motociclistas que, de uma hora para outra, se veem
impossibilitados de andar de moto.
O caso do representante comercial Thiago
Caro Cenjor, 32 anos, de São Bernardo do Campo (SP), é um bom
exemplo do que o amor pelo motociclismo é capaz de fazer. A cadeira de
rodas o afastou desse grande prazer por quase 10 anos, mas hoje ele não
abre mão de praticar esportes e acelerar de moto e carro, inclusive nas
pistas de asfalto e de terra.
Além das suas atividades profissionais e
de seu engajamento social por melhores condições de acessibilidade para
os deficientes, ele é piloto da equipe IGT, disputando corridas no
campeonato Mini Challenge (categoria preliminar da Stock Car) juntamente
com outros amigos cadeirantes e que também são pilotos.
A relação de Thiago Caro com o mundo da
moto é antiga e vem desde os tempos que andava de Mobilete e foi
crescendo com a participação em competições, como provas de rally e
motocross no interior de São Paulo. Mas a expectativa de vivenciar
grandes experiências em campeonatos e provas Off Road parecia ter
chegado ao fim em 2001, quando foi baleado no roubo de sua moto e por
causa das lesões acabou na cadeira de rodas.
Apesar da violência que sofreu e da
perda do movimento das pernas, seu amor pelos veículos de duas rodas
prevaleceu, e atualmente parece mais forte do que nunca. Tanto que
sempre que consegue uma folga ou uma pequena brecha na sua rotina
profissional, ele se reúne com os amigos para praticar o motocross, um
de seus esportes favoritos.
Junto com amigos, como Paulo Polido e
Fernando Fernandes, atleta tricampeão mundial de paracanoagem e piloto,
Thiago Caro se aventura na pista de terra e levanta poeira de moto. O
prazer de acelerar é grande e a adrenalina é maior ainda, pois ele e os
amigos cadeirantes precisam que alguém segure a moto para que eles
possam subir e descer.
Caso aconteça um desequilíbrio durante a
pilotagem na pista, aí não tem jeito. O tombo é certo, mas o risco de
cair não amedronta essa galera corajosa e sempre que surge uma
oportunidade para acelerar de moto o coração fala mais alto e a sensação
de prazer supera o medo e eles encaram o desafio.
“Viver essa experiência dá uma sensação
de liberdade muito grande. É uma mistura de medo com alegria. Sou um
verdadeiro maluco por velocidade, adrenalina e participar de competições
é o meu objetivo”, diz Thiago Caro que busca novos apoios e patrocínios
para sua equipe na temporada 2013.
A motocicleta Kasinski CRZ 150 estilo
motard (trail) usada em suas aventuras evidentemente precisou passar por
algumas modificações de acessibilidade nos comandos dos pés (câmbio e
freio traseiro), que acabaram transferidos para o guidão e os punhos. O
projeto de adaptação é do piloto Paulo Polido, que já tinha desenvolvido
um kart adaptado.
Ele explica que o mecanismo é semelhante
ao de uma motoneta Vespa, com a primeira marcha acionada para baixo no
manete e as demais para cima. O freio traseiro com acionamento no pé
direito funciona junto com o manete do freio dianteiro no punho direito,
com uma distribuição de 30% na roda dianteira e 70% na traseira. Uma
barra sobre o piloto no assento ajuda a manter o equilíbrio.
Segundo Thiago Caro, os pilotos estão
satisfeitos com as funcionalidades da moto, mas reconhecem que ainda
precisam ser feitas algumas melhorias, especialmente na parte de
segurança do piloto. A meta é criar o primeiro campeonato de motocross
adaptado do Brasil. “Conheço muitos cadeirantes assim como eu que só
estão esperando nos montarmos uma corrida para participarem também”,
destaca.
Nesse sentido, Fernando Fernandes revela
que já está adiantado no projeto de adaptação da sua moto Honda CRF 450
para acelerar com os amigos e, quem sabe, disputar as futuras
competições oficiais de motocross e rally. Todos seguem o exemplo de
superação do piloto australiano Alan Kempster, que não possui braço e
perna direitos e participa de provas de motovelocidade.
Motos adaptadas
Se por um lado, felizmente, já existem várias soluções de adaptações e acessibilidade para que os deficientes possam dirigir seu carro no trânsito sem maiores dificuldades, por outro lado há poucas opções, ou ainda são pouco conhecidas, as alternativas para que essas pessoas possam também pilotar uma moto.
Se por um lado, felizmente, já existem várias soluções de adaptações e acessibilidade para que os deficientes possam dirigir seu carro no trânsito sem maiores dificuldades, por outro lado há poucas opções, ou ainda são pouco conhecidas, as alternativas para que essas pessoas possam também pilotar uma moto.
Pensando nas necessidades dos
motociclistas cadeirantes o engenheiro mecânico Miguel Marcio Moreno
D’Agostino, de Belém (PA), desenvolveu o triciclo Free Way. O veículo
utiliza como base um scooter (motoneta automática com partida elétrica e
freio traseiro no guidão) que pode acomodar na posição do piloto uma
cadeira de rodas com acesso ao triciclo por meio de uma rampa
eletromecânica com controle remoto e acionamento no painel.
Entre outras funcionalidades, o triciclo
adaptado possui freio de estacionamento e marcha a ré para manobras de
baliza, permitindo que o veículo possa parar junto ao meio fio para
baixar a rampa até o nível da calçada. Na traseira do triciclo adaptado
ainda há um assento escamoteável para levar acompanhante, quando
necessário. O espaço de 1,6 m de largura facilita as paradas do triciclo
em vagas comuns de estacionamento.
Segundo Miguel Marcio, a grande sacada
do seu triciclo é a liberdade que o veículo traz para os cadeirantes,
pois a pessoa por si só entra, pilota e sai do veículo e ainda pode
levar garupa. “Sabemos que após o trauma psicológico da paralisia a
maioria dos motociclistas gostaria de voltar a pilotar e sentir o vento
na cara", ressalta.
O veículo dispõe de dois itens
opcionais, um guincho elétrico que pode ser usado para puxar a cadeira
para dentro ou para fora no caso de regiões com aclives e declives
acentuados e um pedestal removível de engate rápido para apoiar um
assento padrão de motocicleta para uso de piloto e carona que não sejam
cadeirantes.
O preço do triciclo Free Way fica na
faixa de R$ 18 mil. Junto com o veículo o comprador recebe um laudo de
inspeção veicular de segurança, nota fiscal de serviço de adaptação da
motoneta para triciclo emitida por empresa homologada pelo Denatran para
que as adaptações sejam registradas junto ao Renavam. Miguel Marcio diz
conta que está negociando a representação do seu triciclo nos Estados
Unidos.
Outra inovação de acessibilidade para
motocicletas surgiu em uma conversa de oficina como uma espécie de
aposta. O mecânico de motos Fabio de Oliveira Moreira, de Guarulhos
(Grande SP), aceitou o desafio de um cliente que tem prótese na perna e
precisava de uma adaptação no câmbio de sua moto para facilitar a
pilotagem.
Usando muita criatividade e o motor de
acionamento do vidro elétrico de um carro Fabio de Oliveira conseguiu
transferir o acionamento do pedal para um botão controlado no punho do
guidão. “Apesar da simplicidade do projeto, o resultado agradou muito”,
afirma.
A notícia da adaptação da moto se
espalhou com o vento e o mecânico diz que recebe vários e-mails de
pessoas que gostariam de fazer alterações em suas motos para andarem com
mais facilidade no trânsito. Ele informa que a instalação do sistema de
câmbio no guidão custa em torno de R$ 800 e o serviço pode ser feito
rapidamente.
De olho nesse nicho de mercado, Fabio de
Oliveira diz que está desenvolvendo um sistema para colocar o
acionamento do freio traseiro no guidão e no projeto de uma motocicleta
com três rodas. Para promover os seus serviços ele apoia o piloto Vitor
Santos que não tem parte da perna esquerda e faz shows de wheeling
(manobras radicais de moto).
De acordo com Abridef (Associação
Brasileira das Indústrias e Revendedores de Produtos e Serviços para
Pessoas com Deficiência), existem atualmente no Brasil cerca de 45
milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. Somente no Estado de
São Paulo esse número chega a 9 milhões. Dados que comprovam a
necessidade e a viabilidade de produtos e soluções de mobilidade
para esse público.
Autonomia e independência
Para Dirceu Diniz, consultor da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), dependendo do tipo de deficiência ou limitação que a pessoa tenha não há maiores problemas em andar de moto. Ele ressalta ainda que a possibilidade de poder se deslocar com seu próprio veículo é um sinal importante de independência e autonomia. “A atenção maior que a pessoa precisa ter é com as questões como estresse e fadiga no trânsito e seguir as orientações e recomendações médicas.”
Para Dirceu Diniz, consultor da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), dependendo do tipo de deficiência ou limitação que a pessoa tenha não há maiores problemas em andar de moto. Ele ressalta ainda que a possibilidade de poder se deslocar com seu próprio veículo é um sinal importante de independência e autonomia. “A atenção maior que a pessoa precisa ter é com as questões como estresse e fadiga no trânsito e seguir as orientações e recomendações médicas.”
Segundo o Detran.SP (Departamento
Estadual de Trânsito), para tirar a carteira nacional de habilitação a
pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida deve seguir o procedimento
padrão para obter o documento, ou seja, fazer o treinamento no CFC
(Centro de Formação de Condutores) e prestar os exames médico e prático.
A única diferença nesse processo é que o
exame médico deve ser realizado por um profissional credenciado junto
ao Detran. Esse profissional é que vai avaliar as condições da pessoa
para conduzir moto ou carro e as adaptações necessárias. Essas
especificações aparecem na CNH no campo Observações, segundo tabela que
consta na resolução 267 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito).
Em relação ao veículo com adaptação, o
Detran informa ainda que já existem triciclos especiais para a
utilização por cadeirantes e que já saem de fábrica devidamente
homologados e com cadastro junto ao Renavam (Registro Nacional de
Veículos Automotores), requisito para o veículo poder circular em vias
públicas.
Os veículos adaptados artesanalmente
também podem ser utilizados por cadeirantes e pessoas com necessidades
especiais. Nesse caso é necessário providenciar a homologação e cadastro
no Renavam, em Brasília (DF), seguindo as orientações da resolução 63
do Contran para depois fazer o registro no Detran do seu Estado.
Para obter desconto ou isenção de
impostos IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e IOF (Imposto
sobre Operações Financeiras) na compra de um veículo adaptado novo a
pessoa deve procurar a Receita Federal e montar um processo pleiteando o
benefício. Para solicitar a dispensa da cobrança de ICMS (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) e IPVA (Imposto
sobre Propriedade de Veículos Automotores) do veículo especial, o
condutor deve fazer requerimento na Secretaria de Estado da Fazenda. Os
descontos concedidos para condutores deficientes podem chegar até 30%.

SERVIÇO
Thiago Caro Cenjor (www.equipeigt.com.br)
Triciclos Free Way (www.triciclosfreeway.com)
Fabio de Oliveira Moreira (motomonster12@hotmail.com)
Vitor dos Santos (www.100knela.blogspot.com.br)
Abramet (www.abramet.com.br)
Abridef (www.abridef.org.br)
Detran.SP (www.detran.sp.gov.br)
Thiago Caro Cenjor (www.equipeigt.com.br)
Triciclos Free Way (www.triciclosfreeway.com)
Fabio de Oliveira Moreira (motomonster12@hotmail.com)
Vitor dos Santos (www.100knela.blogspot.com.br)
Abramet (www.abramet.com.br)
Abridef (www.abridef.org.br)
Detran.SP (www.detran.sp.gov.br)
Fotos: Arquivo pessoal e Divulgação
Fonte:http://www.moto.com.br/acontece/conteudo/superacao_em_duas_rodas-60068.html
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